whatsapp
Notícias /
Terça, 12 de janeiro de 2010, 09h29
| Tamanho do texto A- A+

A desigualdade nos juros do cartão de crédito

Bancos cobram taxa menor de clientes dos segmentos de alta renda, enquanto no varejo chega a 14% ao mês
 
Felipe Frisch
 
Quem usa cartão de crédito no Brasil e já teve a infelicidade de cair no crédito rotativo (aquele a que se está sujeito quando se paga o mínimo da fatura ou quando ela é paga em atraso) sabe como as taxas de juros de cerca de 13% ao mês fazem mal ao bolso. O que pouca gente se dá conta é da desigualdade das tabelas de juros dos bancos, de acordo com a renda do cliente.
 
Quem tem conta corrente em algum dos segmentos de alta renda (Personnalité, Uniclass, Prime, Van Gogh e Premier) e que, portanto, tem mais saldo, paga taxas bem menores no cartão do que a massa de correntistas do varejo comum dessas mesmas instituições.
 
Levantamento do Globo nos bancos do país com agências especiais para a alta renda (Itaú Unibanco, Bradesco, Santander Real, HSBC e Banco do Brasil) mostra que, enquanto os clientes do varejo chegam a pagar taxas de juros na casa dos 14% ao mês, os clientes dos segmentos especiais contam com taxas mensais inferiores a 10%. Para quem opta pelos parcelamentos da fatura hoje oferecidos pela maioria dos bancos, as taxas caem da faixa de 10% ao mês no varejo, para cerca de 6% na alta renda.
 
Um caso que chama atenção é o do Itaú. Um mesmo cliente com um cartão Itaucard Visa Gold e um cartão Visa Personnalité paga juros de 12,92% no primeiro e de 9,90% no segundo. Procurado, o Itaú Unibanco não comentou a diferença, nem enviou as taxas praticadas pela instituição nos diferentes segmentos. Informou apenas que cobra um juro mínimo de 3,9% ao mês.
 
— É um ciclo de falta de crédito que não privilegia as classes de baixa renda. O indivíduo das classes mais baixas não consegue ter acesso ao crédito porque os juros são altos. E quanto menos crédito ele tem, menos crédito ele vai ter, e menos condições para sair do vermelho — avalia Christian Travassos, economista da Fecomércio-RJ.
 
Pagar boletos no cartão custa 1,99% do valor Outra tentação com que os titulares de cartão de crédito devem tomar cuidado nesse começo de ano é o pagamento de contas em boleto (como luz, gás, telefone, mensalidade escolar e condomínio) com o cartão, sob o argumento de ganhar até 40 dias para pagar, o que hoje quase todos os cartões oferecem. Mas esse serviço é cobrado e, em geral, custa 1,99% fixo do valor do boleto pago.
 
— Você está pagando uma taxa que pode não ser necessária se a pessoa se organizar. Dois por cento é dinheiro, mesmo que sejam R$ 2. No fim do ano, isso pode dar muito dinheiro. Não é nos grandes gastos que a gente perde o controle, é nos pequenos.
 
Se for usar este serviço, que seja para uma emergência — diz Myriam Lund, lembrando que uma aplicação financeira conservadora, como um fundo DI ou poupança, paga 0,5% ao mês.
 
Um argumento comum dos bancos para os juros altos é a alta inadimplência. No entanto, uma pesquisa realizada em dezembro pela Fecomércio-RJ e pelo Instituto Ipsos com mil pessoas em 70 cidades mostra que, nas classes A, B e C, o percentual dos financiamentos atrasados com cartão de crédito é o mesmo, de 20%. Já nas classes D e E, o cartão tem peso de 19% na inadimplência, menor, portanto. Mas, de fato, o percentual dos que declararam ter contas atrasadas é maior entre os mais pobres: é de 16% nas classes D e E, de 15% na C e de 11% nas A e B.
 
— Mas não é uma diferença tão elevada, se considerarmos as diferenças entre as classes e a margem de erro da pesquisa — pondera Travassos.
 
Alessandro Gianeli, advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), diz que o tratamento diferenciado de preços, no caso os juros, é inconstitucional, e que o consumidor que se sentir lesado pode acionar judicialmente os bancos.
 
— Isso é afrontoso ao princípio da isonomia, não tem justificativa.
 
Existe uma avaliação de risco. Por que eles oferecem crédito a um segmento se ele é considerado de alto risco? Não deveriam nem aceitar — diz.
 
A exceção no levantamento entre as instituições financeiras ficou por conta do Banco do Brasil (BB), que não cobra juros diferentes entre os clientes da rede e os do BB Estilo.
 
— A taxa é sempre definida com base no relacionamento do cliente com o banco — diz Denilson Molina, diretor da área de cartões do BB.
 
O Santander Real informou que “as taxas de juros dos cartões do Santander são definidas pelas características de cada produto” e que tem um “amplo portfólio de produtos”, permitindo ao “cliente, de alta, média ou baixa renda, escolher o que prefere em cada momento da sua vida”. Também procurados, HSBC e Bradesco informaram que não dispunham de porta-vozes para comentar o assunto.
 
Segundo economista, atraso é vantajoso para banco Myriam Lund, professora de Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia que os bancos cobram juros mais baixos de quem tem mais dinheiro para estimular este público a usar o crédito rotativo do cartão.
 
— Quem tem mais dinheiro não costuma pegar empréstimo, sabe que os juros são altos. O bancos reduzem as taxas para estimulá-los a usarem mais. O mesmo acontece no cheque especial.
 
Não é só porque o cliente ganha mais (e tem risco menor), mas porque ele não usa mesmo.
 
O economista Luís Carlos Ewald avalia que, para os bancos, se o risco do cliente for baixo, é até vantajoso que ele atrase: — A renda deveria estar atrelada ao limite de crédito, e não à taxa cobrada. Quem atrasa, mas sempre paga com juros, é o melhor cliente que existe.
 
Fonte: O Globo
PARCEIROS

CDL Cuiabá © 2019 - Todos os direitos reservados - (65) 3615-1500

Sistema CNDL