Sem CPMF, a carga tributária aumentou
O governo não perdeu um centavo de receita com o fim da CPMF em dezembro de 2007. Ao contrário, ao recalibrar outros impostos, como o IOF, a carga tributária da União aumentou de 23,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2007 para 24,1% do PIB em 2008. No ano seguinte, caiu para 23,4% do PIB, por força da crise global e das desonerações concedidas internamente, mas este ano voltou a crescer. A carga total, com os impostos dos Estados e municípios, subiu de 33,9% do PIB em 2007 para 34,4% do PIB em 2008. Sob efeito da crise global, caiu para 33,6% do PIB em 2009, mas retomou o crescimento e deve encerrar 2010 no patamar de 2008.
Mesmo assim, Lula lançou a proposta do retorno da CPMF na primeira entrevista que participou ao lado da presidente eleita, Dilma Rousseff. A presidente disse que esta é uma demanda dos governadores e os governadores do PSB e do PT já se manifestam a favor da volta do tributo, sob o pretexto de financiar a saúde.
Ressuscitar o imposto é a opção pelo caminho fácil - O projeto de lei complementar 306, que regulamenta a Emenda Constitucional 29, está pronto para ser votado a qualquer momento pela Câmara. Ele define os percentuais que os três entes da federação devem aplicar em saúde – União, 10% da receita corrente; Estados, 12% da arrecadação; municípios, 15% – e ressuscita o imposto do cheque com o nome de Contribuição Social sobre a Saúde. A CSS teria alíquota de 0,10% sobre toda movimentação financeira e a previsão de receita é de mais de R$ 15 bilhões ao ano. Desde que foi aprovada a emenda 29, em 2000, os gastos federais com saúde no Brasil passaram a ser corrigidos pela variação nominal do PIB. Isso levou o orçamento da área de R$ 22,7 bilhões, em 2000, para R$ 62,9 bilhões em 2009, com crescimento real de 54,6% (deflacionado pelo IPCA).
Desde então, as prefeituras, com raras exceções, comprometem mais de 15% das receitas com despesas de saúde. Os Estados não passam de 7%, na média e a União obedece ao piso da emenda 29. Em 2007 e 2008, segundo investigação do Tribunal de Contas da União (TCU), o Tesouro Nacional subtraiu quase R$ 1 bilhão do mínimo que devia alocar para o orçamento da saúde. Os recursos foram empenhados, entraram em restos a pagar do ano seguinte e lá foram cancelados. O TCU determinou que o Tesouro pague o que deve.
Antes de advogar a volta da CPMF como solução para todos os males da saúde, governadores e governo federal deveriam procurar saber se os serviços públicos de saúde no Brasil são de péssima qualidade por falta de dinheiro.
Tanto estudos técnicos quanto o bom senso indicam que gastar mais não significa prestar melhores serviços à população. Há dois anos esta coluna publicou um trabalho, feito por um grupo de funcionários do governo do Rio Grande do Sul, que elaborou o Índice de Qualidade do Gasto Público das administrações diretas estaduais para diversas áreas, inclusive saúde.
Atualizado este ano, o trabalho mostra que, enquanto Goiás gastou R$ 373 por habitante com saúde em 2007, o Distrito Federal desembolsou R$ 1.078, a mais alta despesa per capita do país. Mas Goiás fez mais consultas e internações pelo SUS, ofereceu maior rede de hospitais públicos, de postos de saúde e mais leitos, dentre diversos outros serviços. A evidência que, segundo o estudo, se repete nos demais Estados é de que o volume de recursos não assegura bons serviços.
A única tentativa que o governo fez de impor mais eficiência aos hospitais públicos – o projeto do ministro José Temporão, da Saúde, de transformar os hospitais em fundações estatais de direito privado – foi abatida, no Congresso, pelas corporações do setor que reagiram contra, sob o argumento de que o governo pretendia privatizar os serviços de saúde.
Em síntese: em dez anos, o orçamento da União para a saúde cresceu mais de 50% em termos reais, mas não houve melhoria da qualidade dos serviços; o fim da CPMF não significou um centavo a menos no orçamento da saúde; a União, os Estados e algumas prefeituras não aplicam o que manda a emenda 29. Por fim, como a CPMF é um tributo federal, seu retorno não garantirá que os Estados destinem 12% da arrecadação para a saúde.
Ressuscitar a CPMF é apenas o caminho fácil para continuar aumentando as receitas, como os governos fazem desde o fim da superinflação, mesmo cientes de que o país está exaurido de tantos impostos que oneram a produção e minam a competitividade do país. Fonte: Abcont/Marcos Relvas
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